Modelo Toyota de Produção: Um Novo Paradigma para a Engenharia de Produção no Século XXI
Artigo escrito por Pedro Paulo S. Felicíssimo, M.Sc.
RESUMO
O artigo apresenta uma avaliação das dimensões estratégicas do modelo de produção implantado no Japão após a II Guerra Mundial por Eiji Toyoda e posteriormente desenvolvido por Shingeo Shingo e Taiichi Ohno. A proposição dos pilares do modelo, implicou em uma mudança radical na forma de pensar a engenharia de produção na era moderna e contemporânea, revolucionando o comportamento gerencial e operacional do chão de fábrica, primeiramente da indústria automotiva, posteriormente se expandindo para os demais setores das indústrias de base e de transformação. Com a pressão de custos e por acesso aos mercados de commodities, matérias primas necessárias à expansão industrial, mais e mais empresas buscam adequar a administração de seus negócios de forma a reduzir desperdícios e consequentemente os custos de produção, aumentar a eficiência e consequentemente elevar a produtividade, objetivos muitas vezes contraditórios e de difícil alcance. As avaliações das dimensões e das ferramentas estratégicas utilizadas pelo modelo são acompanhadas de inferências e sugestões para uma melhor compreensão do fenômeno que transformou a Toyota Motors na maior e mais lucrativa montadora de veículos do mundo.
Palavras-chave: Hansei, Kaizen, Jidoka, Takt Time, Just in Time
1. INTRODUÇÃO
Após a II Guerra Mundial, a economia e os parques industriais da Europa e do Japão já não existiam. Arrasadas as principais bases de sustentação dos governos, os países aliados vencedores do conflito, capitaneados agora pela liderança dos EUA, viram-se a frente de um dilema: como reerguer as economias combalidas e dar reinício aos processos de industrialização nestas regiões.
Apesar do Plano Marshall e do Acordo de Bretton Woods do ponto de vista econômico, através da injeção de milhões de dólares nestes dois blocos, realizados sob a forma de empréstimos intergovernamentais, permitir o ressurgimento dos mercados, contendo temporariamente a elevação dos níveis de desemprego e a hiperinflação de preços, sob o ponto de vista industrial e principalmente político, havia a preocupação com a expansão do comunismo internacional, representado pela extinta URSS na Europa e da China na região do Sudeste Asiático e do Pacífico, incluindo a Coréia e o Japão.
Particularmente, o Japão representava uma maior preocupação. Antes da II Guerra Mundial, o Japão tinha sua economia e processo de desenvolvimento industrial com bases no que Dal Bello (2001) denominou de zaibatsu, grandes conglomerados empresariais, pertencentes a famílias tradicionais e que remontavam à época do Japão feudal. Dissolvidos por MacArthur em novembro de 1946, permitem assim o surgimento de um método japonês moderno de administração, estimulados pelas visitas do engenheiro Joseph Moses Juran em 1950 ao país, responsável pelo desenvolvimento do método Juran Management System (JMS), o qual aliava à gestão da qualidade uma estratégia empresarial e do matemático especializado em estatística William Edwards Deming, o qual desenvolveu o método PDCA (Plan – Do – Check – Act) conhecido como Ciclo de Deming.
O Sistema Toyota de Produção (STP) vai se desenvolver a partir da década de 50 sob estes dois pilares da teoria moderna da administração: a busca por excelência pelo controle total da qualidade (TQC) de Juran e a auto avaliação com retro alimentação do sistema produtivo de Deming (PDCA), o que significa para as empresas que adotam o STP, nas palavras de Liker (2005), buscas por tornarem-se organizações de aprendizagem pela reflexão incansável (Hansei) e pela Melhoria Contínua (Kaizen).
2. DIMENSÕES E FERRAMENTAS ESTRATÉGICAS DO MODELO
O que foi denominado inicialmente de autonomação (Jidoka) ou automação inteligente ou ainda, automação com a presença do elemento humano (SHIMOKAWA E FUJIMOTO, 2011), soa para nós ocidentais como estranho e mesmo bárbaro no sentido de que interpretamos a automação humana como uma forma perversa e irracional de ver e sentir o trabalho no chão de fábrica. No entanto, para os orientais, faz sentido interpretar o ser humano como uma máquina e o trabalho como algo gratificante, sendo a busca por sua racionalidade, algo que o torna mais eficiente e produtivo, consequentemente, menos cansativo para o trabalhador, resultando em menores desperdícios em recursos materiais, financeiros e principalmente, tempo, este último fator muito valorizado pelos povos orientais.
Diversas aplicações são origem ou surgem deste conceito, tanto no modo ocidental quanto oriental de perceber o trabalho humano sob a ótica da engenharia de produção: desde os princípios da administração científica de Taylor até a moderna ciência da ergonomia no trabalho e no desenho industrial de equipamentos, infraestrutura logística de armazéns, etc.
No entanto, a sua aplicabilidade no chão de fábrica afetando diretamente o trabalhador (tais como, por exemplo, o trabalho em pé, as operações multifuncionais e o nivelamento da carga de trabalho) enfrenta maiores resistências e tabus nas empresas ocidentais.
Em defesa deste modelo de trabalho, Liker (2005) afirma que os engenheiros e técnicos altamente especializados das empresas norte americanas que durante da década de 70, começaram a se transferir para empregos bem menos remunerados em empresas japonesas baseadas nos EUA por conta da crise de 1973 e 1979 (a maioria montadoras de veículos como a Ford, GM e Chrysler), após a recuperação da economia mundial, recusaram-se a voltar para suas antigas empresas com salários superiores, sob a alegação de que o trabalho nas empresas japonesas eram mais produtivos, menos cansativos e mais compensadores, devido aos desafios impostos pelo método de administração japonês.
Sob uma dimensão econômica, o modelo do STP busca reduzir os custos pela eliminação dos desperdícios (denominados de muda, muri e mura) na produção, sendo solucionados por determinadas ferramentas gerenciais, a partir de determinados indicadores e métricas a serem alcançadas (targets). São descritos no quadro abaixo:
As principais dificuldades inerentes à eliminação do desperdício da superprodução e os ocasionados pela espera do lote, peça ou processo através do nivelamento e do uso dos cartões kanban, segundo Moura (1989), Shingo (1996), Iyer, Seshadri e Vasher (2010) e Shimokawa e Fujimoto (2011) são:
- Requer uma ótima coordenação de gestão no interior da cadeia de suprimentos da empresa (SCM);
- Requer uma certa capacidade ociosa dos equipamentos para evitar os gargalos nos equipamentos ou nas estações de trabalho;
- Requer o sistema de produção por fluxo contínuo unitário (uma peça a ser produzida de cada vez);
- Requer trabalhar com operadores polivalentes ou multifuncionais;
- Requer treinamento e capacitação dos trabalhadores para conhecimento e domínio na utilização do kanban.
A implantação do fluxo contínuo unitário combinado com o uso do kanban tem como metas, um nível de estoque intermediário unitário entre os processos (processar uma peça apenas quando terminar a anterior) e as estações de trabalho e total eliminação do estoque final (just in time).
A eliminação das movimentações e transportes desnecessários de materiais e produtos semiacabados entre as estações de trabalho, requer além dos procedimentos anteriores, modificações nos arranjos produtivos de um layout do tipo departamental, onde máquinas e equipamentos estão agrupados por suas características e especificidades, por exemplos: departamentos de solda, bombas, prensas, montagens, etc. para um layout mais inteligente do tipo celular (em linha, L ou U), onde os arranjos produtivos de máquinas e equipamentos são formados de modo que as etapas de processamentos são lógicas sequenciais na fabricação de uma linha completa ou um tipo de produto específico (MUTHER E WHEELER, 1994).
Tarefas a serem necessariamente implementadas são mapear, cronometrar e sincronizar cada processo e operação de forma a acabar com os funis ou gargalos (processos restritivos que acumulam estoques em sua entrada ou saída, respectivamente) de forma a alcançar um ritmo (takt time) balanceado da produção por variedade de produto e variabilidade da demanda ajustando-os ao lead time (tempo ideal) de cada elo ou participante da cadeia de fornecimento da empresa (GOLDRATT ET AL., 1992).
Os desperdícios de tempo nas paradas dos equipamentos provenientes de manutenções programadas, paradas para repouso dos trabalhadores, troca de ferramentas, falhas e quebras podem ser solucionadas pela Manutenção Produtiva Total (TPM): preditiva, preventiva e corretiva, Troca Rápida de Ferramentas em menos de 1 (um) minuto (SMED) e pela implantação da Inspeção na fonte e sucessivas nas estações de trabalho (TAKAHASHI E OSADA, 1993).
Em relação ao alcance da TPM, a manutenção preditiva é a que representa uma maior importância para a eficiência e também a menos usualmente empregada nas indústrias brasileiras. Seu objetivo é acompanhar a vida útil dos equipamentos, através do uso da metodologia FMEA – Análise dos Modos de Falha e Efeitos. As mensurações do MTBF – Tempo Médio entre as Falhas e do MTTF – Tempo Médio de Reparo do Equipamento ao nível ideal de operações e as anotações na Folhas de Verificação dos Equipamentos têm por objetivo, programar as manutenções preventivas, evitando suas realizações em paralelo com os turnos de trabalho e como meta através das manutenções corretivas, reduzir o MTTF, aumentar o MTBF e alcançar os níveis OEE – Eficiência Global do Equipamento ou os níveis originais de fabricação. (TAKAHASHI E OSADA, 1993; PALADY, 1997).
A busca por controle da qualidade total (TQC) nos processos e produtos inicia-se com o 5S que é uma preparação com a Limpeza e Organização do chão de fábrica, tendo por metas a Padronização, Parametrização e a Auto Avaliação dos processos e operações em uma retro alimentação do ciclo PDCA no que se denominou de kaizen ou melhoria contínua, o que inclui a implantação da inspeção na fonte ou início do processo, seguida de inspeções sucessivas na busca por alcançar um Índice de Eficiência Global do Equipamento (OEE) em torno de 85%, o que corresponderia no Seis Sigma (6σ), alcançar 3,4 defeitos por milhão de peças, componentes ou produtos finais fabricados.
O Índice de Eficiência Global do Equipamento (OEE index) por sua vez é um percentual ideal em torno de 85%, sendo o produto de:
O Tempo Operacional (% TO) é obtido por:
Onde,
A Velocidade Operacional (% VO) é dada por:
A Taxa de Produtos de Qualidade é obtida por:
3. CONCLUSÕES E QUESTÕES EM ABERTO
Shingo (1996) afirma que para que a implantação do Sistema Toyota de Produção (STP) seja efetivo, eficiente e produza bons resultados, todas as ferramentas apresentadas têm que ser implementadas conjuntamente e com o comprometimento de todos os níveis gerenciais, departamentais e operacionais da empresa, iniciando com o 5S.
Em estudos mais recentes sobre o STP, Iyer, Seshadri e Vasher (2010) afirmam que a competitividade global não se dá mais por indústrias (indústrias do mesmo setor competindo por marketshares), mas sim ocorrendo entre as suas respectivas cadeias de abastecimento. Neste aspecto um modelo de paradigma a ser resolvido se sobressai, o V4L.
O V4L é formado pelas seguintes questões com que se defronta a empresa e que requerem solução no interior das cadeias de abastecimento das indústrias na busca por competitividade:
- Variedade de produtos;
- Variabilidade da demanda;
- Velocidade dos processos e operações internas e externas, incluindo planejamento, fornecimento, fabricação e distribuição final dos produtos;
- Visibilidade dos processos e operações;
- Aprendizagem (Learning).
Pode-se concluir que a maior parte dos métodos e ferramentas aqui apresentados, requer para sua real implementação e efetividade, mudanças culturais significativas na forma ocidental de ver a gestão da engenharia de produção no Brasil, principalmente no chão de fábrica, encontrando por esta razão fortes resistências, tanto dos gerentes quanto dos trabalhadores.
Uma mudança inicial seria na própria abordagem gerencial, usual do tipo top-down (de cima para baixo) para uma abordagem do tipo bottom-up (de baixo para cima). O trabalhador é o maior conhecedor do potencial e dos problemas da fábrica, pois está ligado diretamente através das ferramentas e equipamentos aos processos e operações, sendo responsável pela qualidade final do produto (SHINGO, 1996).
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAL BELLO, U. B. Sogo Shosha: as poderosas trading companies japonesas. São Paulo. Aduaneiras. 2001.
GOLDRATT, E. M.; COX, J.; WHITFORD, D. The goal: a process of ongoing improvement. North River Press Great Barrington, MA, 1992.
IYER, A. V.; SESHADRI, S.; VASHER, R. A gestão da cadeia de suprimentos da Toyota: uma abordagem estratégica aos princípios do Sistema Toyota de Produção.
LIKER, J. K. O modelo Toyota: 14 princípios de gestão do maior fabricante do mundo. Trad. Ribeiro, L. B. Porto Alegre, Bookman. 2005.
MOURA, R.A. Kanban – A Simplicidade do Controle de Produção. São Paulo. Instituto de Movimentação e Armazenagem de Materiais. IMAM. 1989.
MUTHER, Richard; WHEELER, John D. Simplified systematic layout planning. Management and Industrial Research Publications, 1994.
PALADY, P. FMEA: Análise dos Modos de Falha e Efeitos: prevendo e prevenindo problemas antes que ocorram. Trad.: Outras Palavras. São Paulo. IMAM, 1997.
SHIMOKAWA, K.; FUJIMOTO, T. O nascimento do lean: conversas com Taiichi Ohno. Eiji Toyoda e outras pessoas que deram forma ao modelo Toyota de gestão. Porto Alegre. Bookman. 2011.
SHINGO, S. O Sistema Toyota de Produção do ponto de vista da Engenharia de Produção. Trad. Schaan, E. 2 ed. Porto Alegre. Bookman. 1996.
TAKAHASHI, Y.; OSADA, T. Trad. Outras Palavras. São Paulo. Instituto IMAM. 1993.
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