Cidades, favelas e desenvolvimento econômico
Artigo retirado da revista SEAERJ Hoje, nº 27 (julho de 2016), páginas 32 a 33.
Em análise especial deste tema para a revista SEAERJ HOJE, o Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil-RJ, Arquiteto Pedro da Luz Moreira, menciona que, na Cidade do Rio de Janeiro, os assentamentos (favelas) já correspondem a 20% da sua população. É de opinião que um programa de urbanização de favelas, ou de regularização de loteamentos irregulares, deveria fazer parte da política pública das cidades, em paralelo a uma política de produção de unidades habitacionais para o País.
O tema das cidades brasileiras vem sendo tratado de forma periférica e à margem da questão do desenvolvimento econômico do País, como se o crescimento das mais diversas atividades fosse independente da sua ordenação espacial. De uma maneira geral, nas diversas instâncias governamentais, o desenvolvimento socioeconômico é pensado como fruto de políticas sociais, econômicas, de saúde, ou de educação, mas nunca como consequência de uma política estruturada para a ocupação territorial. No entanto, a ocupação territorial, notadamente das nossas cidades, é determinante nos diversos aspectos que estruturam o nosso cotidiano. Afinal, a proximidade espacial de determinadas benfeitorias, como saneamento, escolas, equipamentos culturais, transportes, e outros desempenham muitas vezes papel fundamental para transformações de realidades socioeconô- micas importantes.
Na nossa dinâmica demográfica, éramos, em 1950, 19 milhões de habitantes em cidades, ou 34% de nossa população total. Em 2010, passamos a 164 milhões de seres urbanos, ou 84% dos brasileiros. No espaço de 60 anos, deixamos de ser um País com maioria rural, e passamos a ser um País urbano, com duas megacidades, São Paulo e Rio de Janeiro, e uma rede de 13 metrópoles importantes, com mais de 1 milhão de habitantes. Essa realidade determinou a absoluta centralidade do tema cidade para o desenvolvimento nacional.
O tema das favelas emerge nesse contexto. Uma presença característica em todas as cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, a população que ocupa esses assentamentos corresponde a 20% da sua população, em São Paulo 22%, Belo Horizonte 20%, Salvador 30%, Recife 46%, Fortaleza 31%. Essa expressiva presença marca a face de nossas cidades, mostrando a incapacidade do mercado imobiliário formal de atender a demanda por domicílios do conjunto da nossa população. Há um estigma na sociedade brasileira que ainda encara essa parte substancial do território de nossas cidades como um local marginal e sem lei. Romper esse estigma significa garantir serviços urbanos como coleta de esgotos, de resíduos sólidos, de distribuição de água, de iluminação pública, de transportes funcionando de forma eficiente no cotidiano, significa garantir acesso à urbanidade. Para tal, é importante avaliar e preservar as pré-existências construídas por essas comunidades, mas também abrir eixos de penetração, que garantam o acesso aos serviços urbanos diversificados e variados.
Desde 1963, quando aconteceu o histórico Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, realizado no Hotel Quitandinha, em Petrópolis, a rede nacional do IAB defende a ideia de que a urbanização de favelas e a regularização de loteamentos irregulares deveriam fazer parte de uma política de produção de unidades habitacionais para o País. Isto é, um programa de urbanização de favelas ou de regularização de loteamentos irregulares deveria fazer parte da política pública das nossas cidades. Portanto, contemporaneamente, o Ministério das Cidades deveria prever a produção de novas unidades habitacionais, articulando o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) à melhoria das infraestruturas urbanas nas favelas, ou nos loteamentos irregulares. Programas de urbanização de favelas, como o Favela-bairro, no Rio de Janeiro, e o Renova São Paulo, demonstraram como essas ações conseguem promover a integração econômica e social dessas populações, produzindo uma significativa ampliação da sua autoestima. Essa ampliação acaba representando o mais importante ganho da urbanização, que se refere a absorção do imenso potencial de empreendedorismo presentes nesses locais, um fator importante para o nosso desenvolvimento, que há muito tempo vem sendo desperdiçado.