
Rio de Janeiro: tem todas as condições para ser cidade sustentável
Artigo retirado da revista SEAERJ Hoje, nº 27 (julho de 2016), páginas 32 a 34.
“Certamente a Cidade do Rio de Janeiro não é, neste momento, uma cidade sustentável. Entretanto, tem todas as condições para se transformar numa delas. Não há nenhum obstáculo intransponível para que isso ocorra”.
Otimista, esta a avaliação do Arquiteto Urbanista Augusto Ivan de Freitas Pinheiro com 45 anos de experiência no serviço público e, atualmente, Assessor Especial da Presidência da Empresa Olímpica Municipal, ao responder à indagação: o Rio de Janeiro se enquadraria no conceito de cidade sustentável?
Eu diria – explica ele -, que poucas cidades do mundo, hoje, podem ostentar esse título; talvez algumas cidades de pequeno porte, talvez alguma na Escandinávia. Raras. Raríssimas. Cidades como o Rio, de dimensões metropolitanas são repletas de problemas historicamente construídos. Além do mais, sustentabilidade é ainda um conceito relativamente muito novo entre nós.
Bem localizada, a cidade do Rio tem, entretanto, uma geografia pouco favorável, que ao longo da história foi difícil ser conquistada, dado a quantidade de morros, lagoas, pântanos e áreas alagadiças, enfim, uma cidade que pouco a pouco foi sendo obrigada a se adaptar ao meio onde se inseriu. Ainda bem que sobreviveu, concorda o Arquiteto Urbanista.
O Rio ainda possui um expressivo conjunto de montanhas, costões rochosos e matas em grande parte preservadas e conservadas, e uma costa oceânica espetacular. É claro que enfrenta problemas, mas podem ser resolvidos, como a mobilidade, que é um dos temas mais candentes da sustentabilidade.
“A Cidade tem passado por ciclos difíceis, mas que não se tornaram incontornáveis”.
Planos existem para a Cidade melhorar e um quadro melhor que o de dez anos atrás, quando não se pensava nesse sistema de vias transversais com os ônibus, os BRTs, deslocando-se em calha própria, quase um pre-metrô e muito mais barato. São vias que acabaram de ser construí- das, ou estão em final de construção, e que devem melhorar, em muito, o tempo e a qualidade de viagem das pessoas e do meio-ambiente, transformando-se em mais um passo na direção da sustentabilidade, assim como o VLT em operação no centro da Cidade, de que Augusto Ivan é um defensor, ao elogiar esse meio de transporte modal, como um elemento quase simbólico na busca de uma Cidade mais amigável, civilizada e sustentável.
Há também um quadro legal muito bem estruturado. Não é por falta de normas, de regras que a Cidade está ruim. O Rio tem um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável (Lei Complementar nº 111/2011), que aponta direções de desenvolvimento da Cidade e traz uma perspectiva muito positiva para o Rio. É uma Cidade de grande centralidade na história do Brasil, que foi elevada à capital desde a Colônia até a República.
A Cidade tem passado por ciclos difíceis, mas que não se tornaram incontornáveis e em contrapartida tem também perspectivas favoráveis, embora dependentes da economia do País. Por sua condição de centralidade política, social, cultural e econômica, o Rio sempre atraiu pessoas de todos os lugares e classes sociais que buscam oportunidades, muitas vezes oferecidas de maneira desigual e que não suprem para todos com o mesmo conforto, entre elas a moradia.
O processo de favelização é dos mais persistentes e dramáticos, mas tem havido experiências de políticas públicas que pouco a pouco vêm sendo implantadas, como os projetos Favela- -Bairro e o Morar Carioca. Os programas de financiamento também têm melhorado o acesso das pessoas mais necessitadas, apesar das críticas recorrentes de urbanistas e arquitetos devido à tipologia urbanística e arquitetônica.
O caminhar é lento, mas a direção parece ser correta. Há ganhos neste processo. Se está funcionando bem, não se pode afirmar, principalmente devido à sua escala, mas várias direções estão apontadas, o processo está em movimento e pode ser corrigido ao longo do tempo. Não tantas décadas atrás a situação era muito mais severa. O espaço para o debate existe nas academias, nas áreas técnicas e entre a população. Associações comunitárias se estruturaram, têm uma rede de associativismo muito expressiva na Cidade, de modo que o tema moradia esteja sempre presente.
Moradia vista do ponto da sustentabilidade, é um assunto que tem de ser resolvido, é caro, mas podemos dizer que o Rio de Janeiro está bem no ranking das cidades brasileiras na questão das políticas públicas que incluem moradia, educação e saúde. Se a favela do ponto de vista da moradia já não é mais aquela de quarenta anos atrás, não se pode dizer o mesmo do saneamento que caminhou muito pouco na Cidade. Exemplo disto são os corpos hídricos: baía, lagoas e rios, o esgoto sem tratamento e as epidemias causadas por este problema.
O Plano Diretor da Cidade, atualmente sendo revisto, definiu a divisão da Cidade em Zonas de Desenvolvimento, estendendo-se desde as regi- ões mais pobres, onde as políticas governamentais têm que entrar complementarmente apoiando as melhorias, até as áreas mais afluentes onde o setor privado terá que adotar um papel mais protagonista na provisão de infraestrutura.
Áreas onde o crescimento urbano deve ser arrefecido e áreas onde a infraestrutura instalada existente deverá abrir caminho para o adensamento. Exemplo deste último é a zona do subúrbio carioca onde mecanismos de indução de ocupação de áreas com moradias devem se aproveitar das linhas de trem, dos BRTs e das tradicionais vias de distribuição – Avenidas Brasil e Suburbana (atual Dom Helder Câmara). De todas estas vias, o metrô é a mais atrasada – em especial na Zona Oeste -, mesmo sendo o sistema que mais conduz gente em tempo menor, avalia.
À parte estes, outros caminhos apontam para a sustentabilidade. A Cidade possui um potencial cultural muito grande, uma história fantástica, que, aliada ao clima, à paisagem, ao povo, à criatividade dos cariocas, favorece a atração do turismo que é uma de suas vocações mais fortes. O problema da segurança, crônico, é o elo mais frágil da cadeia de sustentabilidade e mesmo da vida da Cidade atingindo todos os moradores em seu conjunto, sem distinção. Pouco avançou e vem regredindo nos últimos tempos, precisando ser enfrentado com uma política mais eficiente que associe segurança e educação.
Augusto Ivan mencionou também a área portuária, que saiu do marasmo, da obscuridade, tornando-se uma nova atração na Cidade, apenas precisando tornar-se atrativa para a moradia, única atividade que poderá assegurar sua sustentabilidade e sua dinâmica e, não, fazê-la repetir o modelo da área Central, sem vida em certos períodos do dia e nos finais de semana e apta a receber população residente.
Finalmente, referiu-se a um outro fenômeno da Cidade, o Parque de Madureira, visto por ele não apenas como um parque de lazer e de espaço para diversão, mas um local transformador que deve se transformar num dínamo de crescimento da capital do subúrbio carioca, contaminando-o positivamente e, junto com os espa- ços recém conquistados em torno do estádio do Engenhão e o recentíssimo Parque Radical de Deodoro, transformando-o num novo paradigma urbano potencializando a efeito catalisador das áreas de lazer da Cidade, desta vez se instalando em áreas mais carentes, tornando-as atraentes para novas vivências e conquistas urbanas e mostrando que sustentáveis são as cidades mais humanas e mais fraternas para seus moradores e para a vida no planeta.