Governos precisam investir mais em acesso à água
Artigo retirado da revista SEAERJ Hoje, nº 27 (julho de 2016), páginas 24, 25 e 28.
Autor: Engº Haroldo Mattos Lemos
A água existe na Terra nas fases sólida, líquida e gasosa, que estão ligadas entre si num ciclo fechado, o ciclo da água. A água doce é fundamental para a manutenção da vida nos ecossistemas terrestres, e, portanto, essencial para a sobrevivência do homem na biosfera. Apenas 2,5% do volume total de água existente na Terra são de água doce, dos quais 99% estão sob a forma de gelo ou neve nas regiões polares ou em aquíferos muito profundos. Do restante 1%, quase metade está nos corpos dos animais e vegetais, como umidade do solo e como vapor d’água na atmosfera, e a outra metade está disponível em rios e lagos. Portanto, menos de 1% da água doce está disponível para o uso humano.
Entre 1900 e 2000, o consumo total de água para as atividades humanas cresceu seis vezes, e a população cresceu quatro vezes, diz Haroldo Mattos d Lemos, que presidiu por 14 anos (1991-2015) o Instituto Brasil PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Embora a água seja um recurso renovável, sua quantidade é limitada: apenas 200 mil quilômetros cúbicos estão disponíveis nos aquíferos superficiais (rios e lagos). Esta quantidade era suficiente em 1900, quando cerca de 1,5 bilhão de habitantes viviam no planeta. Agora, somos mais de 7 bilhões, e como a população não está distribuída de forma proporcional à água existente, a quantidade de água disponível por habitante já chega perto do limite: 40% da população mundial já sofre de escassez de água. Em 2050, a mesma quantidade de água deverá atender 9 bilhões de pessoas.
“Uma parte da demanda atual é atendida pelas águas subterrâneas”
Os usos da água pelas atividades humanas incluem consumo doméstico, consumo agrícola (irrigação), consumo industrial e uso em atividades recreativas. O consumo doméstico médio é de 120 l/hab/dia, que pode variar com o clima da região, proximidade de praias, e nível de vida. A irrigação é a que apresenta o maior desperdício, pois entre 15 e 50 % da água utilizada para este fim não atinge as plantações, perdida evapora- ção e pela infiltração no solo. A irrigação é aplicada em quase 20% das áreas aráveis do mundo, e é responsável por 40% da produção mundial de alimentos. A melhoria da eficiência dos sistemas de irrigação é a melhor alternativa para atender o aumento futuro da demanda de água para o consumo humano. Já existem tecnologias que permitem reduzir substancialmente os desperdícios na irrigação, como o gotejamento diretamente nas raízes das plantas, controlado por computadores.
Uma parte da demanda atual é atendida pelas águas subterrâneas, mas em muitos lugares a retirada de água subterrânea já supera a capacidade de recarga do aquífero, como na Cidade do México, o que está provocando um afundamento gradual do solo. O Aquífero Guarani se estende por uma área de 1,2 milhões de km2, a maior parte em território brasileiro (840 mil km2), em oito Estados: Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina e Mato Grosso. A Argentina tem 225,5 mil km2, o Paraguai 71,7 mil km2 e o Uruguai 58,5 mil km2. As reservas permanentes de água são estimadas em 45 trilhões de m3. As reservas exploráveis são de 166 km3 por ano, ou 5 mil m3/s. Desde 2004, está sendo pesquisado o Aquífero Alter do Chão, que atinge os Estados do Amazonas, Pará e Amapá, que pode ter o dobro da quantidade de água do Aquífero Guarani: 86 trilhões de m3 de água.
Entre as alternativas para a demanda futura de água estão a dessalinização, o melhor aproveitamento das águas de chuvas e o reuso da água.
a) O custo da dessalinização da água do mar (0,5 a 0,8 US$/m3 para membranas e 0,7 a 1,2 US$/ m3 para destilação) diminuiu muito nos últimos dez anos, em relação ao custo de tratamento das águas superficiais. Neste período, a capacidade instalada de dessalinização de água do mar aumentou mais de 50%. A dessalinização de água do mar será uma alternativa importante para as cidades litorâneas e para as localizadas próximo ao litoral. Cerca de 70% da população mundial vive a menos de 80 km do mar. A Espanha usa a dessalinização da água do mar há 30 anos, e desde 2006 as cinco maiores cidades da Austrália investiram US$ 13,2 bilhões na construção de usinas de dessalinização. No final de 2010, 15% da água potável de Sydney já vinha do mar.
b) A construção de cisternas para captação de água de chuvas no Semiárido Nordestino apresenta excelentes resultados. O Programa Um Milhão de Cisternas Rurais foi lançado em 2000 por iniciativa da Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, que reúne 750 organizações não governamentais, sindicais, comunitárias e eclesiásticas. Em 2004, a ASA já tinha construído 60 mil cisternas em 11 Estados, tendo o Governo participado com 55% dos recursos. Em 2007 foi iniciado um novo programa para a construção de 2 milhões de cisternas no Nordeste, mas com duas cisternas por família – uma para as necessidades domésticas e outra para atender a lavoura e a criação de animais.
c) O reuso de água inclui a reutilização de águas servidas (tratadas ou não) e é empregado na agricultura, para lavagem de ruas, rega de jardins pú- blicos e refrigeração de equipamentos em processos industriais, explica o atual Presidente do Conselho Empresarial de Meio Ambiente e Sustentabilidade da ACRio (Associação Comercial do Rio).
A água é fundamental para a vida e para a saúde humana. Nos países mais pobres, a água poluí- da é a principal causa de muitas doenças, como a diarreia. A UNICEF divulgou, em 201, que uma criança morre no mundo a cada 15 segundos pela falta de água potável, saneamento e condições de higiene. Uma pesquisa realizada em 2009 pelo Instituto Trata Brasil e pela Fundação Getúlio Vargas revelou que 220 mil trabalhadores se afastam das suas atividades todos os anos devido a doenças gastrintestinais pela falta de saneamento, o que representa para as empresas um custo de R$ 547 milhões em horas não trabalhadas. O Relatório das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2013 afirmava que quase 10% das doenças registradas no mundo, inclusive no Brasil, poderiam ser evitadas se os governos investissem mais em acesso à água, medidas de higiene e saneamento básico.
Em 2015, o Relatório das Nações Unidas afirmou que sem melhoria na gestão, em 2030 a Terra enfrentaria um déficit de água de 40%, e advertia para os conflitos que seriam provocados pela dramática escassez de futura de água. Já nos anos 80, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente advertia que as guerras no Sé- culo XX tinham sido provocadas pela posse do petróleo, mas no Século XXI seriam provocadas pela posse da água.