
Reforma Administrativa quer acabar com o serviço público do Brasil
No início do mês de setembro (03), o governo federal encaminhou à Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020, a Reforma Administrativa. A matéria vem com o falso argumento de cortar as despesas e tornar mais ágil a máquina pública com uma série de mudanças administração. No entanto a PEC é, na verdade, a sequência do processo para o desmonte de tudo que é público, de redução do Estado para investimento em todas as políticas públicas, desmonte do funcionalismo e aniquilamento da soberania nacional.
Uma verdadeira ameaça à qualidade dos serviços prestados à sociedade, além de abrir grave precedente para o aumento da indicação política, dando mais espaço para corrupção e clientelismo. As alterações afastam o cidadão do uso dos seus direitos na participação da administração pública e destroem os serviços públicos previstos na Constituição. São propostas indignas a qualquer ideologia, independente de qualquer grupo que espera melhorias para o país.
Diante disso, a SEAERJ (Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Rio de Janeiro) atenta aos diversos prejuízos que a proposta almeja, não só no que tange a ameaça aos direitos dos servidores, como estabilidade funcional, promoções e progressões, mas também para graves mazelas a toda sociedade e aniquilação total da entrega de direitos aos cidadãos.
É importante destacar que a Reforma prevê a modificação de 12 artigos da Constituição Federal, com supressões e revogações parciais ou integrais, e que trazem grande prejuízo ao funcionamento da máquina pública. São cerca de uma dezena de regras transitórias, as quais o governo foca em questões primordiais, como a eliminação do Regime Jurídico Único (RJU) e o fim do instituto da estabilidade, pontos cruciais para o desmonte do serviço público em todo Brasil. O RJU foi determinado pelo artigo 39 da Constituição Federal de 1988. Se a matéria for aprovada da forma que foi apresentada pelo Executivo, o RJU poderá ser desmembrado em cinco tipos de contratação: por vínculo de experiência; por vínculo por prazo indeterminado, ou seja, sem estabilidade; por cargo típico de Estado, com estabilidade; por vínculo por prazo determinado, como temporário ou por cargo de liderança e assessoramento que equivale aos atuais cargos comissionados.
Além dessas mudanças, que representam um enorme retrocesso, a Reforma traz em seu bojo outros danos, como a extinção da exigência de concurso público, a forma mais democrática para garantir ao cidadão o acesso aos cargos públicos. O servidor deixa de prestar concurso para participar de um processo seletivo simplificado. Muitos de forma terceirizada e sem garantias. Algumas carreiras podem ser extintas com simples decreto do chefe do Executivo e assim os já aposentados também perderão seus benefícios.
Outro ponto crucial é o fim da estabilidade. Um importante mecanismo de defesa e segurança para o funcionamento da máquina pública, a estabilidade foi garantida em lei no Brasil há mais de um século com a Lei nº 2.924/1915 e reafirmada na Constituição Federal de 1934. Desde então, a medida foi mantida em todas as Cartas Magna até 1988 quando foi regulamentada a garantia de estabilidade para três anos após admissão por concurso público e aprovação em avaliação de desempenho. Isso porque o servidor pode ser exonerado em casos de sentença judicial transitada em julgado, processo administrativo disciplinar e insuficiência de desempenho.
Portanto, a regra não torna intocável um trabalhador do serviço público. Temos que reafirmar que a estabilidade não é um privilégio de blindagem do servidor e sim uma proteção do interesse público coletivo, que impede perseguições políticas e evita que órgãos públicos percam profissionais qualificados. Também traz segurança para que o servidor não se curve à chantagens e se torne vulnerável à corrupção, além de proteger toda a sociedade do aparelhamento e clientelismo ao livre arbítrio do governante da hora.
Durante a 15ª reunião do Conselho Diretor a SEAERJ conferiu aos conselheiros uma palestra exclusiva do advogado Rudi Cassel que pontuou os principais pontos da Reforma. De acordo com Rudi, o fim da estabilidade permitirá que o grupo político que estiver no poder altere todo o aparato de Estado e decida quem permanecerá e suas preferências para os cargos. Algo que afeta o que ele denomina de eixo principiológico.
Um longo histórico culminou na apresentação dessa PEC. Em 2017, o governo Michel Temer apresentou medidas chamadas de processo de modernização com diversos ataques aos servidores. Essa proposta não chegou a ser implementada mas foi entregue à equipe de transição do governo Bolsonaro juntamente a uma relação de atividades do setor público que já poderiam ser transferidas à iniciativa privada. A medida já havia sido ampliada pelo decreto 9.517/18, nada diferente da cruel proposta de agora.
Também é prenúncio desse projeto do desmonte a aprovação da Emenda Constitucional 95/16, que limita o gasto público por 20 anos, o investimento em políticas públicas e despesa com pessoal. A reforma previdenciária com a Emenda Constitucional 103/19, na qual os trabalhadores dos setores público e privado tiveram suas aposentadorias fortemente prejudicadas, foi aprovada no primeiro ano do governo Bolsonaro também como parte do processo de sucateamento dos direitos de todos os brasileiros, o próximo passo é a Reforma Administrativa
Diante dessas ameaças, a SEAERJ se une ao funcionalismo de todo país contra essa nefasta reforma. Conclamamos todos e todas para essa luta que é de todos os servidores e servidoras e também de todos a sociedade e só será vencida com muita mobilização. Estamos atuando em ações aliadas ao Fórum Permanente dos Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (FOSPERJ) e ao Movimento Unificado em Defesa do Serviço Público Municipal (MUDSPM), para que nossa luta seja fortalecida.
Além disso, o advogado Rudi Cassel explicou como essa reforma impactará o funcionalismo em detalhes. Ele destacou que o serviço público passará a ser subsidiário. Ou seja, tudo que é feito hoje pela administração pública será feito pela administração privada e, somente onde houver necessidade o setor público terá função. “Nós estamos prestes a ver segurança pública privada nas ruas fazendo papel de segurança pública” alertou Rudi.
Juntamente a outros artigos, a Reforma pode comprometer benefícios em vigor e através do pacto fiscal intergeracional atingir não apenas o servidor, mas todo cidadão. O advogado explicou ainda que os servidores ativos também são atingidos, no que diz respeito a benefícios não especificados nas leis ordinárias. Seria necessário aplicar uma lei ordinária com valores de auxílios pré estabelecidos para que houvesse garantia de recebimento, o que não é possível. Para ele, o cenário atual não permite que isso seja regulamentado e vai gerar a extinção de auxílios no país inteiro.
Veja a palestra de Rudi Cassel na íntegra:
Confira artigo “Atuais servidores serão imediatamente prejudicados pela reforma administrativa” assinado por Jean P. Ruzzarin – Advogado especialista na Defesa do Servidor Público, sócio-fundador do escritório Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados (link do artigo):
• Estabilidade – passará a poder ser demitido, além de por decisão por trânsito em julgamento, por decisão judicial colegiada e por insuficiência de desempenho, cuja regulamentação será feito por lei ordinária ou Medida Provisória e não mais por lei complementar;
• Proíbe a progressão e promoção com base apenas em tempo de serviço, ficando condicionada, em caráter obrigatório, à avaliação de desempenho;
• Perde o direito de ocupar cargo de livre provimento, pois estão sendo eliminadas as cotas de cargos que deveriam ser ocupados apenas por servidor de carreira;
• Permite a destituição de comissionados por motivação político-partidária, mesmo que o servidor seja concursado;
• Amplia o escopo de atuação dos cargos de livre provimento, agora batizados de “liderança” e “assessoramento” para funções estratégicas, técnicas e gerenciais;
• O servidor enquadrado como cargo típico de Estado não poderá realizar nenhuma outra atividade remunerada, nem mesmo acumular cargos público, exceto de professor;
• Acaba com o Regime Jurídico Único (RJU);
• Atribui plenos poderes ao presidente para, por decreto, extinguir cargos, planos de carreiras, colocar servidor em disponibilidade e extinguir órgãos, inclusive autarquias;
• Mesmo não havendo redução salarial, a referência remuneratória passará a ser do novo servidor, cujo salário de ingresso será bem menor, criando constrangimento ao antigo servidor e legitimando o congelamento salarial em longo prazo;
• Quem se licenciar para exercer mandato sindical, político, estudar, acompanhar parente doente perderá o direito de receber retribuição de posto comissionado, gratificações de exercício, bônus, honorários, parcelas indenizatórias, etc.
A proposta, como se vê, representa um verdadeiro desmonte dos serviços e dos direitos dos servidores públicos. É a “granada” no bolso do servidor, que Paulo Guedes mencionou na fatídica reunião de abril de 2020.